Estou de férias.
Então ontem, mais uma vez, passei o dia consumindo conteúdo. Adoro esse eufemismo, parece que a gente realmente tá fazendo algo enriquecedor quando, na verdade, estamos na frente de uma tela o dia todo.
Em determinado momento, peguei-me assistindo ao Hot Ones com Terry Crews. A partir de 6:10, Sean Evans, o entrevistador/apresentador, declara que adora a competição no nível mais baixo da NFL, de “cachorro comendo cachorro” e pergunta a Terry, alguém que passou por isso (ele teve uma carreira muito, mas muito menos relevante como Defensive End e Linebacker do que como ator), a partir de qual momento ele começou a se sentir cansado e destruído.
Então Crews responde que foi num teste que participou em 1997 com o Cleveland Browns, quando foi tratado como lixo. Ele fala então de uma parte específica, quando algum funcionário da franquia joga a bola para ele, de uma distância muito curta, de modo que meio que desloca um dos dedos da mão. Obviamente, quem conduzia o workout não se preocupou muito e Terry foi pra casa, decidido a nunca mais jogar nesse ambiente maluco que é a NFL.
Todo esse blá blá blá foi pra chegar no ponto que me fez voltar aqui hoje, depois de tanto tempo: O que diabos nós fazemos enquanto somos competitivos?
Preferi focar nos esportes aqui. Mas isso vai servir pra qualquer outra área, provavelmente. Então, de ontem pra hoje, ainda “consumindo conteúdo”, me deparei com algumas situações que corroboraram um pouco com o pensamento da competitividade matando nosso resto de humanidade.
Primeiramente, o Nick Foles, MVP do Super Bowl 52, fez um desabafo que está sendo altamente divulgado nas redes. Inclusive, foi retuitado, por LeBron James, que passa por um momento bem estranho na carreira.
O desabafo de Foles é interessante porque ele meio que quer dar um tapa na cara da gente: EI, EU POSSO SER O CAMPEÃO DO SUPER BOWL, MAS EU SOU TÃO HUMANO QUANTO VOCÊ! Abaixo um trechinho, numa tradução completamente livre:
Nós todos somos humanos, nós todos tempos fraquezas e eu penso que é importante ser capaz de compartilhar isso e ser transparente (…). Eu não sou perfeito, não sou o Super Homem. Eu posso estar na NFL, eu posso ter acabado de ganhar o Super Bowl, mas, ei, nós ainda temos dificuldades diárias, eu ainda tenho dificuldades diárias.
Depois, o Baseball Quotes postou uma frase que atribuiu ao Manager do St. Louis Cardinals, Mike Matheny, mas eu não achei em nenhum lugar a referência. Como todo mundo é Clarice Lispector na internet, não sei se o autor é esse mesmo, mas o conteúdo é válido de qualquer forma:
Em mais uma tradução péssima: “O esporte deveria ser sobre crianças e suas paixões, não sobre os pais e seus objetivos”.
Faz todo sentido, não?
O que diabos a gente tem feito como torcedor, além de odiar todo o tempo? E eu me incluo perfeitamente nisso. Com Twitter, Facebook, Instagram, Whatsapp, é fácil demais odiar. Você ainda acha um bando de maluco que quer odiar junto com você: seja o próprio time ou atleta que você gosta e pelo qual torce, seja o seu rival.
Não me deixa de vir na cabeça o episódio do tão-idolatrado Oscar Schmidt torcendo contra os adversários do Brasil em 2007, no Pan do Rio. Não bastando torcer contra, ainda vaiava, na tentativa de diminuir a concentração, e ainda torcia por uma lesão do colega com alguns gritos de “Vai escorregar, vai cair”.
É muito fácil esquecer todo trabalho que aquela pessoa dedicou ao seu esporte, sua modalidade, sua equipe. É muito fácil esquecer que todos nós temos limitações e, obviamente, aquele wide receiver do teu time vai deixar cair uma recepção clara. Aquele armador vai jogar um passe na mão do pivô adversário, aquele meia vai fazer uma falta imbecil e levar cartão vermelho aos 37 do primeiro tempo. Afinal, todo mundo é humano.
Sem entrar no mérito que eles ganham absurdos de dinheiro para fazer isso (e nem todos ganham, claro. Vai ver quantos dos caras que o Oscar vaiou e torceu pra se esparramar no chão são milionários), todos somos a mesma coisa. Obviamente eu não tenho capacidade de correr por entre defensores de 1m90 e 150 kg sem ser derrubado e não gostaria de ser julgado no meu trabalho por pessoas que não têm a capacidade (ou não entendem) de exercer aquilo que faço.
Será que é tão impossível assim a gente assistir e acompanhar os esportes sem ser tão rancoroso? Será que é possível parar de pedir que Fulano seja demitido? Que Beltrano seja mandado embora? Será que é possível parar de odiar pessoas que a gente nunca teve a menor ligação?